Você se vê na TV?

No encerramento da 37ª Semana de Comunicação Social (Secom) organizada pelo Diretório Acadêmico Mário Quintana, três debatedores apresentaram propostas de discussões sobre a cobertura midiática de movimentos sociais, especialmente sobre negros, mulheres e o picho urbano. O debate ”Você se vê na TV? Qual o papel da mídia na criminalização dos movimentos sociais e na elitização da cultura?”ocorreu na sexta-feira, dia 26 de outubro, na Concha Acústica. 
A Concha Acústica é um local representativo para a cena cultural santa-mariense que ficou famoso em meados de 1980, quando bandas locais, como Nocet e Fúria, apresentavam-se corriqueiramente para centenas de pessoas. No entanto, a Concha Acústica enfrentou anos de descaso e abandono. A atual gestão municipal realizou uma pintura geral em setembro de 2011, mas esse foi um dos raros investimentos no local. As demais intervenções, como a Marcha da Maconha, as apresentações de diversas bandas e o debate realizado pelo Secom, que são atividades que dinamizam e agregam à sociabilização do Parque Itaimbé, foram ações promovidas por entidades independentes ao poder público.
Na atividade de encerramento, a alfabetizadora Maria Rita Py Dutra abriu o debate da tarde falando sobre a visibilidade do negro na televisão brasileira. A debatedora apresentou um panorama sobre a presença do negro na história da telenovela no país, que começou a ser percebida em meados de 1980. Antes disso, explicou Maria Rita, eram os atores brancos que se pintavam para representar papéis de negros. A professora enfatiza que o contexto influenciou, pois era a década em que se comemorava o centenário da abolição da escravatura, uma época de debates sobre cidadania e raça.
No início do semestre, Santa Maria protagonizou uma manifestação contra as cotas raciais e sociais. O assunto, que momentaneamente criou um antagonismo entre futuros cotistas e estudantes de escolas privadas, provocou um debate público na Praça Saldanha Marinho após a manifestação. Maria Rita comentou sobre a Lei de Cotas Sociais recentemente sancionada pela presidente Dilma Roussef. A lei destina 50% das vagas em universidades federais e escolas técnicas federais a estudantes que cursaram todo o ensino médio em colégios públicos sem bolsa, total ou parcial. A professora afirmou que a sociedade brasileira precisa de políticas públicas para a formação de profissionais negros, como técnicos e professores. 
Como resposta à manifestação contra as cotas realizada em Santa Maria, a militante do movimento negro afirmou que os cotistas não são ameaça, pois ”vai levar muito tempo para que o povo negro termine o Ensino Médio.” Para ela, a educação ainda não é prioridade para a maioria das famílias pobres e de origem negra e, além disso, a realidade na periferia ainda é a do trabalho em setores médios, quando não se tem a necessidade de cursar o Ensino Superior. Maria Rita citou o tráfico de drogas que alicia adolescentes para o crime e afasta a educação do futuro de muitos jovens.

se todos comessem três vezes ao dia, estudassem em escolas boas e a sociedade não enfrentasse problemas estruturais, eu poderia considerar vandalismo

Polin Moreira, estudante de Artes Visuais da UFSM, afirmou que o debate sobre o papel da mídia na criminalização ser realizado exatamente na Concha Acústica foi simbólico, pois o local tem diversos pichos e manifestações. Quando indagado por um estudante de comunicação se o picho não era vandalismo, Polin de forma firme argumentou que se todos comessem três vezes ao dia, estudassem em escolas boas e a sociedade não enfrentasse problemas estruturais, ele poderia considerar o picho como vandalismo. O estudante de Artes Visuais considera a pichação um ato de expressão.
Antes de abrir para a intervenção da plateia, Nathália Drey Costa, jornalista sindical, apontou questões sobre a cobertura da Marcha das Vadias em Santa Maria, ato que também ocorreu na Concha Acústica. Panka, como também é conhecida, lembrou que um jornal da cidade fez a cobertura da marcha, mas embaixo da matéria trouxe dicas de como a mulher deveria se vestir. A jornalista, que se formou pela UFSM e hoje atua em Caxias do Sul e na Revista O Viés, defende que os comunicadores devem ter consciência e posicionamento na hora de realizar matérias e peças publicitárias, pois a profissão lida com o imaginário das pessoas.
Questões como cotas sociais, racismo e pichação foram aprofundados após a explanação dos convidados. A atividade de encerramento reuniu diversas pessoas, como estudantes, pichadores, representantes do Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM) e transeuntes, especialmente jovens, que perceberam a movimentação incomum no Parque Itaimbé e se aproximaram. Ao fim do debate, um jovem levantou-se para falar. Preocupado se estaria falando muito baixo, ele perguntou se  todos o estavam ouvindo. Estamos em uma concha acústica, disse a sorridente Maria Rita. Todos riram e continuaram a conversa. 
 
texto: Júlia Schnorr 
fotografias da atividade na Concha Acústica: Júlia Schnorr
fotografia da conversa sobre Cotas na Praça Saldanha Marinho: Liana Coll
 
 

2 comentários sobre “Você se vê na TV?

  1. Parabéns minha prima Júlia Schnorr. Tanto o texto como as fotos foram um trabalho teu muito bem feito. Gostei. Estás bem na tua área de estudos! Parabéns! Danila Berlitz

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