Um novo eu

Às vezes releio meus escritos e penso que tinha muito ímpeto, esse raio de fogo no peito que nos apaixona pela vida. Os anos certamente me mudaram, mas ainda não sei o quanto. Acho, sinceramente, que se tornar mãe é me revirar em outra pessoa. É uma mudança visceral que não escolhemos em sua totalidade. Esses dias estava olhando os passarinhos que sempre voam na direção oeste minutos antes do por do sol. Eles cantam e avoam em sincronia, são dezenas deles. E são pontuais. O que será que querem? Um refúgio para dormir? Uma árvore segura que os acolha na vida notívaga? Eu não sei. Mas posso pensar o que me move. Eu quero agora uma banheira quente que me nutra, que eu possa ler meus livros hispânicos recém comprados e que talvez até pegue no sono. Depois que me tornei mãe, o silêncio se tornou alguém. Um ser incorporado que sinto falta de estar junto. Quando estamos lado a lado, eu e o silêncio passamos por diversos processos. Quero ser abraçada por ele, confortada no meu cansaço. Logo depois já fico inquieta. O alerta de cuidar é mais forte do que meu anseio orgânico de estar com o silêncio. Por isso falo que mudei e ainda não sei quem sou agora. Quando os passarinhos avoam buscando conforto, tenho quase certeza de que a maternidade me transformou nesse conforto de alguém.